Após ter seu veículo perdido em busca e apreensão, a financeira ou banco deve prestar contas da venda, inclusive restituir saldo ao devedor, se houver

O devedor de financiamento garantido por alienação fiduciária que teve bens levados a leilão extrajudicial pode ajuizar ação de prestação de contas para apurar os valores obtidos com a venda e a destinação desses recursos.

Esse é o entendimento jurisprudencial do Superior Tribunal de Justiça, na qual rejeitou um recurso de um banco contra decisão que permitiu o ajuizamento da ação de prestação de contas. No caso analisado pelo STJ, o devedor pagou 18 das 36 prestações do veículo antes da inadimplência. Posteriormente, houve a apreensão e o leilão do bem.

Por sua vez, o Banco alegou a impossibilidade da ação de prestação de contas relativa aos valores auferidos com o leilão extrajudicial do veículo objeto de busca e apreensão. Segundo a instituição bancária, o particular não demonstrou fato relevante que justificasse o pedido de prestação de contas.

Entretanto, segundo o Superior Tribunal de Justiça a tese do Banco não merecia prospera. Segundo o relator do processo, o leilão extrajudicial implica administração de interesse de terceiro, o que exige compromisso com a destinação específica do valor arrecadado e entrega do eventual saldo remanescente. O ministro ressaltou que não há informações a respeito do destino dos valores arrecadados com a alienação do bem.

Inegável, portanto, a existência de um vínculo entre o credor e o devedor, decorrente da correta imputação do saldo da venda extrajudicial do bem, o que autoriza a propositura da ação de prestação de contas”, disse.

O ministro lembrou ainda que após a entrada em vigor da Lei 13.043/14, a obrigação de prestar contas ficou expressamente consignada, já que a lei alterou o artigo 2º do Decreto-Lei 911/69 e não deixou dúvidas quanto ao interesse de agir do particular.

O artigo 2o  do Decreto Lei 911/69, dispõe que:

No caso de inadimplemento ou mora nas obrigações contratuais garantidas mediante alienação fiduciária, o proprietário fiduciário ou credor poderá vender a coisa a terceiros, independentemente de leilão, hasta pública, avaliação prévia ou qualquer outra medida judicial ou extrajudicial, salvo disposição expressa em contrário prevista no contrato, devendo aplicar o preço da venda no pagamento de seu crédito e das despesas decorrentes e entregar ao devedor o saldo apurado, se houver, com a devida prestação de contas. (Redação dada pela Lei nº 13.043, de 2014) (grifos nossos).

Observe-se que quando em razão do inadimplemento ou mora, o proprietário fiduciário ou o credor poderá vender a coisa a terceiros, com o intuito de aplicar o preço da venda no pagamento de seu crédito e das despesas decorrentes, contudo, fica convencionado ainda a entregar ao devedor o saldo apurado, se houver, com a devida prestação de contas.

Assim, o proprietário fiduciário, após ter seu veículo apreendido em razão de processo de busca e apreensão ajuizado pelo credor, tem o direito de exigir as contas referentes a venda do veículo, independentemente de leilão, hasta pública, avaliação prévia ou qualquer outra medida judicial ou extrajudicial, conforme expõe o referido artigo.

Tal explanação fica confirmada pelos julgados proferidos pelo Egrégio Tribunal de Justiça do Paraná, veja-se:

APELAÇÃO CÍVEL – AÇÃO DE BUSCA E APREENSÃO – CONTRATO DE FINANCIAMENTO GARANTIDO POR ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA – DETERMINAÇÃO DE PRESTAÇÃO DE CONTAS APÓS A VENDA EXTRAJUDICIAL DO BEM APREENDIDO – POSSIBILIDADE – ART. 2º DO DECRETO-LEI Nº 911/69 – SENTENÇA MANTIDA.RECURSO DESPROVIDO. (TJPR – 4ª C.Cível – AC – 1538138-1 – Campina Grande do Sul –  Rel.: CRISTIANE SANTOS LEITE – Unânime –  J. 06.09.2016).

AÇÃO DE BUSCA E APREENSÃO. CÉDULA DE CRÉDITO BANCÁRIO COM GARANTIA FIDUCIÁRIA. BEM APREENDIDO. PEDIDO JULGADO PROCEDENTE. DETERMINAÇÃO DE PRESTAÇÃO DE CONTAS APÓS A VENDA EXTRAJUDICIAL DO BEM. POSSIBILIDADE. DETERMINAÇÃO DA VENDA DO BEM OBSERVAR O SEU VALOR DE MERCADO. IMPOSSIBILIDADE DE SUJEITAR A VENDA A QUAISQUER CONDIÇÃO. INTELIGÊNCIA DO ARTIGO 2º DO DECRETO LEI Nº 911/69. RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO. 1. A obrigação de o credor prestar contas ao devedor após a venda extrajudicial do bem retomado em ação de busca e apreensão está ínsita no procedimento que o Decreto-Lei nº 911/69 coloca à sua disposição para viabilizar o recebimento do seu crédito, quando o devedor deixa de pagar voluntariamente. Se de um lado o credor pode vender extrajudicialmente o bem dado em garantia, de outro, tem a obrigação de prestar contas ao devedor depois da venda, oportunidade em que o resultado poderá ser positivo (com saldo a favor do devedor), negativo (com saldo a favor do credor) ou satisfativo (com quitação da dívida e solução final do contrato). 2. A sentença não pode impor o preço mínimo em leilão, quando sequer conhece as condições de uso e de conservação do veículo apreendido. (TJPR – 17ª C.Cível – AC – 1305604-5 – Pato Branco –  Rel.: Lauri Caetano da Silva – Unânime –  J. 11.11.2015).

Desta forma, é evidente que o proprietário fiduciário, que teve o seu veículo apreendido após processo de busca apreensão, tem o direito de exigir contas do credor, inclusive, receber se for o caso, o respectivo saldo apurado da venda do veículo, tese que fica confirmada, nos moldes dos julgados supracitados, ou seja, a determinação de prestação de contas após a venda extrajudicial do bem apreendido, com base no art. 2º do decreto-lei nº 911/69.

CONCLUSÃO

Diante de todo o narrado, conclui-se que, a ação de exigir contas é o meio ideal para o proprietário fiduciário, obter conhecimento do fim que foi dado ao veículo. Sendo que conforme o caso, o saldo pago pelo credor, deverá ser restituído a ele com base no valor da venda do bem.

O que fica confirmado, nos moldes da decisão proferida pelo TJPR no r. acórdão (TJPR – 17ª C.Cível – AC – 1305604-5 – Pato Branco –  Rel.: Lauri Caetano da Silva – Unânime –  J. 11.11.2015), o credor tem a obrigação de prestar contas ao devedor depois da venda, oportunidade em que o resultado poderá ser positivo (com saldo a favor do devedor), negativo (com saldo a favor do credor) ou satisfativo (com quitação da dívida e solução final do contrato).

Com isso, pode-se observar a importância do tema nos dias atuais, pois a questão é recorrente no direito brasileiro, onde maioria dos casos o devedor após a busca e apreensão do veículo desconhece de possível alienação do bem.

Por fim, diante dos fatos e decisões expostas, fica evidente de que não há impedimento do devedor/proprietário fiduciário exigir contas do credor, pois em razão desta, com a devida apuração dos valores da venda do veículo, é possível, se houver, receber saldo em seu favor.

IGOR HUSS DE MELO
Advogado